quarta-feira, 3 de agosto de 2011

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Ressuscitação Cardiorespiratória Pediátrica

Introdução
A parada cardíaca em crianças, na maioria das vezes, é conseqüência de problemas respiratórios ou circulatórios, sendo a parada cardíaca primária, diferentemente do adulto, evento raro nessa faixa etária. Assim, em crianças freqüentemente se observam várias doenças e lesões traumáticas, desencadeando hipoxemia e acidose progressivas, que levam à parada cardíaca em assistolia. FV ocorre na minoria dos casos de PCR em crianças (menos de 10%) e é observada mais comumente em portadores de doença cardíaca congênita prévia. O prognóstico da assistolia cardíaca é bastante reservado. Os índices de sobrevida são reduzidos e, freqüentemente, os sobreviventes desenvolvem seqüelas neurológicas graves.
Assim, conclui-se que a prevenção da PCR é essencial na faixa etária pediátrica, implicando no emprego imediato de terapia adequada a cada doença. A monitorização dos parâmetros clínicos - freqüência respiratória, FC, coloração das mucosas e perfusão periférica - é obrigatória em todas as crianças que apresentem algum risco, mesmo que mínimo, de desenvolverem insuficiência respiratória ou circulatória.
São várias as situações que podem causar PCR. Em nosso meio, destacam-se as doenças infecciosas que acometem o sistema nervoso central, o trato respiratório e o trato gastrintestinal. As lesões traumáticas constituem a 1ª causa de morte em crianças acima de 1 ano de idade.

Diagnóstico
A suspeita diagnóstica da PCR é feita imediatamente ao se visibilizar a criança. Apnéia ou respiração agônica (gasping) configuram parada respiratória e ausência de pulsos em grandes artérias, parada circulatória. Outros sinais acessórios também devem ser considerados: respiração irregular, batimentos cardíacos muito baixos, cianose e palidez cutânea. A observação ao ECG de ritmos inadequados, como assistolia, FV, bradicardia intensa e complexos bizarros, corroboram o diagnóstico de parada cardíaca.

Conduta
Suspeitando-se de PCR, as manobras de RCR devem ser imediatamente iniciadas. Manobras que têm o objetivo de manter fluxo de sangue oxigenado aos órgãos vitais, principalmente cérebro.
Algumas considerações são necessárias antes de serem descritas as técnicas de RCR. A intervenção na parada respiratória deve ser agressiva para evitar a ocorrência de parada cardíaca, pois, como já comentado anteriormente, o seu prognóstico é reservado. Em todos os hospitais deve haver um treinamento específico e contínuo em RCR, pois já é comprovado que o prognóstico relaciona-se diretamente com a qualidade de atendimento prestado. Didaticamente, divide-se a RCR em suporte básico e SAV. O suporte básico de vida inclui a abertura das vias aéreas, a respiração artificial (ventilação pulmonar) e a circulação artificial (compressão torácica). Este atendimento inicial não requer equipamentos sofisticados e pode ser executado em qualquer circunstância. O êxito é dependente da destreza e rapidez com que as manobras são aplicadas.
O SAV implica no aperfeiçoamento das técnicas utilizadas no suporte básico, na obtenção de via de acesso vascular, na administração de fluidos e medicamentos, na monitorização cardíaca e no emprego da desfibrilação. As manobras utilizadas na RCR pediátrica são:
Vias aéreas - A avaliação do nível de consciência e do padrão respiratório é feita de imediato, ao se deparar com uma criança com suspeita de PCR.
Fora do ambiente hospitalar, se a criança está irresponsiva a um estímulo táctil, mas apresenta esforço respiratório, deve ser imediatamente transportada a um centro de atendimento. Se a criança estiver em apnéia, a ressuscitação deve ser imediatamente iniciada enquanto se providencia a chamada de socorro.
É fundamental a colocação da criança em posição supina sobre uma superfície firme para realizar a RCR. Entretanto, em crianças vítimas de trauma deve-se ter extremo cuidado na manipulação da coluna, principalmente a cervical. Nestes casos, a movimentação da vítima deve ser em bloco, mantendo-se tração cervical até que a imobilização da coluna esteja completa.
O relaxamento dos músculos do pescoço da parede posterior da faringe e da língua, devido à inconsciência e hipoxemia, é causa de obstrução aérea. Para que as vias aéreas fiquem pérvias, a cabeça deve ser inclinada e ou o mento elevado (fig. 15 e 16). Este procedimento deve ser executado com suavidade tanto maior quanto menor for a criança, tomando-se o cuidado de não estender em excesso o pescoço, não pressionar os tecidos moles abaixo do pescoço e nem fechar a boca, manobras que ocluem a via aérea ao invés de abrí-la. Para manter a cabeça em posição, deve-se colocar um coxim pequeno sob a nuca da criança. Nos casos de trauma apenas o mento deve ser elevado sem inclinação da cabeça.
Respiração artificial - Após a criança estar adequadamente posicionada, a ventilação pulmonar deve ser iniciada imediatamente se não houver retorno espontâneo da mesma. Há várias maneiras de realizar a respiração artificial:
Boca-a-boca ou boca-a-boca/nariz - O reanimador deve fazer uma inspiração profunda e insuflar o pulmão da criança. A boca do reanimador deve englobar a boca e nariz da criança, se esta tiver menos de 1 ano. Para idades maiores, o procedimento é realizado englobando somente a boca da criança (fig. 17 e 18). Este modo de respiração é um método útil até que outro mais efetivo seja viável
Máscara acoplada a bolsa-valva - Trata-se de técnica eficaz e mais higiênica que a anterior. Uma máscara de tamanho adequado é adaptada à face da criança, envolvendo a boca e o nariz, sendo a ventilação realizada através de uma bolsa-valva (Ambu). A bolsa-valva é conectada à fonte de oxigênio, cujo fluxo deve variar de 10 a 15L/min.
Tubo de borracha acoplada a um fluxômetro de oxigênio - O reanimador deve manter a via aérea aberta através da elevação do queixo com o dedo indicador da mão esquerda e ocluir uma narina com o polegar da mesma mão. Através da outra narina, a ventilação é efetuada com o tubo de borracha conectado a fluxômetro de oxigênio. Se a criança já estiver intubada, a "borracha" é usada diretamente no tubo traqueal. O fluxo de oxigênio não deve ultrapassar 3L/min.
Intubação traqueal - Trata-se de, procedimento do SAV, que será descrito mais a diante. A intubação traqueal deve ser realizada se não houver retorno da respiração espontânea com um dos procedimentos anteriores. Em situações de emergência, a via orotraqueal deve ser preferida em relação à nasotraqueal.
Cada tentativa de intubação deve ser precedida de oxigenação adequada e não pode ultrapassar 30s. Se durante a tentativa de intubação, ocorrer intensa bradicardia nos casos em que houver ritmo cardíaco espontânea e ou piora da perfusão ou da cor da pele, a manobra deve ser interrompida. Este procedimento deve ser realizado por indivíduo mais experiente.
As cânulas de intubação traqueal para crianças, abaixo de 8, anos devem ser desprovidas de cuff, com diâmetro interno variando com as diferentes idades e, em geral, igual ao diâmetro do 5º dedo da mão e igual ao diâmetro das narinas: cânulas 0,5cm devem estar disponíveis antes de se proceder à intubação.
Quadro IX - Diâmetro interno da cânula traqueal (em mm.).
Recém-nascido prematuro
2,5 a 3,0
Recém-nascido termo
3,0 a 3,5
Lactentes
3,5 a 4,0
Dois anos ou mais
(idade em anos/4) + 4
Para que a ventilação seja eficaz algumas observações dever ser seguidas - Durante a ressuscitação pulmonar deve-se, sempre que possível, utilizar oxigênio a 100%; a ventilação deve ser iniciada com duas respirações profundas (1 a 1,5s/respiração) para expandir áreas pulmonares colapsadas; para vencer a alta resistência, devido ao calibre reduzido das vias aéreas da criança, a ventilação deve ser suave evitando-se fluxos altos de oxigênio e ventilações muito rápidas; o cuidado descrito no item acima também minimiza a distensão gástrica que ocorre durante a respiração artificial; a passagem de sonda naso-gástrica deve ser realizada tão logo seja possível. A distensão gástrica é prejudicial por aumentar o risco de aspiração pulmonar de conteúdo gástrico e desencadear reflexo vagal e conseqüente bradicardia; a ventilação deve proporcionar expansibilidade torácica, que é avaliada através da visibilização do tórax da criança e através da ausculta de murmúrio vesicular nos ápices pulmonares. Se não ocorrer ventilação adequada durante a respiração artificial, suspeitar de obstrução de vias aéreas, que pode ocorrer por posição errada da cabeça da criança ou devida a corpo estranho (as manobras de retirada de corpo estranho (vide capítulo de obstrução de vias aéreas superiores). Problemas associados, como pneumotórax, pobre complacência pulmonar e distensão abdominal grave também podem dificultar a ventilação pulmonar; a freqüência respiratória durante a ventilação artificial deve se aproximar da esperada para cada idade (quadro X).
Quadro X - Freqüências respiratória (FR) e cardíaca (FC) durante a RCR em pediatria.
Idade
FR
FC
Recém-nascido
25
120
1 mês a 1 ano
20
100
1 ano a 8 anos
16
80
8 anos ou mais
12
60
Circulação artificial - Verificação do pulso: batimento cardíaco ausente ou inefetivo resulta em ausência de pulsos em grandes artérias. Nas crianças <1 ano a carótida também pode ser utilizada. A atividade precordial não se correlaciona obrigatoriamente com a geração de pulso, não devendo, portanto, ser técnica de escolha para esta finalidade. A circulação artificial é realizada através da compressão torácica externa, que deve ser iniciada assim que for constatada a ausência de pulso.
Além da ausência de pulso em grandes artérias, a bradicardia (FC Técnica de compressão torácica externa - A técnica de compressão torácica é aceita como manobra eficaz para manter fluxo sangüíneo mínimo aos órgãos vitais, o que pode ocorrer através de dois mecanismos comprovados: "bomba cardíaca", onde a circulação do sangue se dá por compressão direta do coração e "bomba torácica" onde a circulação resulta da variação da pressão intratorácica que ocorre durante a compressão-descompressão. É aceito o mecanismo de "bomba cardíaca" em crianças.
A técnica de compressão torácica externa varia com a idade da criança. Em recém-nascidos, a compressão torácica externa é realizada através da compressão do esterno imediatamente abaixo da interseção da linha intermamilar e esternal (fig. 19). Em recém-nascidos grandes, é indicada a técnica usada em crianças maiores, ou seja: de 1 mês a 1 ano - a compressão deve ser realizada sobre o esterno a um dedo abaixo da interseção da linha intermamilar com a linha esternal (fig. 20); a compressão ao nível do apêndice xifóide é deletéria. O reanimador executa a compressão com 2 ou 3 dedos de uma das mãos; a outra mão pode servir como suporte abaixo das costas da criança. Também pode ser empregada a técnica do recém-nascido, desde que o reanimador, ao envolver o tórax da criança, não impeça a sua expansão adequada; crianças de 1 a 8 anos - o local de compressão no esterno é a um dedo acima do ângulo de Charpy (fig. 21) e realizada com a região tenar de uma das mãos do reanimador, sem colocar os dedos sobre as costelas. Esta técnica exige que a criança esteja sobre uma superfície dura. O reanimador deve estar situado bem acima da criança e manter os seus braços esticados durante a compressão; maiores de 8 anos - é a mesma técnica descrita para adultos, onde o reanimador posiciona uma mão sobre a outra para fazer a compressão.
Algumas normas devem ser seguidas para que a compressão torácica externa produza circulação sangüínea adequada - a freqüência da compressão torácica varia com a idade da criança (quadro X); o tempo de compressão deve ser igual ao tempo de relaxamento, isto é, tempo sem compressão; a compressão torácica deve ser coordenada com a respiração, isto é, a cada 5 compressões torácicas se faz uma pausa de 1 a 1,5s onde é realizada a ventilação pulmonar. A ventilação e a compressão torácica devem ser seriadas e rítmicas durante toda a ressuscitação; o diâmetro ântero-posterior do tórax deve diminuir de um terço a metade durante a compressão; ao final de cada compressão a pressão é liberada sem entretanto o reanimador retirar a mão ou dedos da superfície do tórax da criança, fazendo o movimento de compressão e relaxamento suavemente, sem "socos", sobre o esterno; a criança deve estar colocada sobre uma superfície dura; na ausência desta, a mão do reanimador colocada sobre as costas da criança pequena pode substituí-la; durante a compressão torácica, não se deve alterar a posição do pescoço e da cabeça da criança, o que pode prejudicar a permeabilidade da via aérea. Observação: Não se utiliza o golpe precordial, em nenhuma situação, no atendimento à PCR em criança.
A eficácia das manobras de RCR, respiração e circulação artificiais, deve ser avaliada, utilizando a monitorização do pulso nas grandes artérias, a observação do tamanho e reatividade à luz das pupilas e a análise do traçado registrado através do ECG.
Farmacoterapia - Faz parte do SAV durante a RCR, a administração de fluidos e medicamentos. A monitorização da atividade elétrica cardíaca é obrigatória através do ECG, pois indica o medicamento mais adequado e seu efeito.
Vias de acesso para a infusão de medicamentos - Para que seja possível a administração de medicamentos é necessário a instalação de um acesso vascular, tarefa esta difícil de ser executada nas crianças que estão em PCR. O melhor acesso vascular é aquele que não atrapalha as manobras de ressuscitação e oferece o maior calibre. Serão comentados, por ordem de prioridade, as diferentes vias utilizadas em crianças. Veia periférica - Acesso venoso periférico é uma via útil e facilmente obtida na ressuscitação pediátrica. Os locais de punção são os habitualmente empregados: couro cabeludo, braços, mãos, pernas e pés. Para que o medicamento administrado, através da veia periférica, alcance rapidamente a circulação central, deve-se administrar um push de SF logo a seguir; acesso intra-ósseo - trata-se de acesso vascular para crianças com
Medicamentos - Adrenalina - é o medicamento de escolha na assistolia, ritmo encontrado em 90% das PCR em crianças. As doses preconizadas são: 1ª dose - 0,01mg/kg (0,1mL/kg de adrenalina 1:10.000. Esta solução é obtida através da diluição de 1mL de adrenalina pura (1:1.000) em 10mL de água destilada ou SF. Esta dose é para administração intra-óssea ou endovenosa. Na via endotraqueal, utiliza-se a adrenalina pura na dose de 0,1mg/kg, ou seja, 0,1mL/kg. Doses subseqüentes: 0,1 a 0,2mg/kg (0,1 a 0,2mL/kg da adrenalina pura (1:1.000). O intervalo entre as doses deve ser 3 a 5min. Atropina - a dose recomendada é 0,02mg/kg/dose, sendo a dose mínima 0,1mg e máxima 0,5mg na criança e 1,0mg no adolescente. A mesma dose pode ser repetida após 5min. Bicarbonato de sódio - preconiza-se a dose de 1mg/kg/dose: 1mL/kg do BS 8,4% ou 3mL/kg da solução a 3%. Para os recém-nascidos, recomenda-se 0,5mg/kg/dose. Doses subseqüentes devem ser repetidas a cada 10min ou de acordo com os índices sangüíneos se a gasometria for viável. Cálcio - embora muito utilizado anteriormente, atualmente não tem indicação na PCR. Tem papel no tratamento da hipocalcemia, hipercalemia e hipermagnesemia. Nestas situações recomenda-se 5 a 7mg/kg de cálcio elementar o que equivale a 0,5 a 0,75mL/kg de gluconato da cálcio a 10%. Glicose - a criança pode apresentar hipoglicemia durante situações de estresse intenso pois na infância as necessidades de glicose são altas e os estoques são reduzidos. Na presença de hipoglicemia, deve-se administrar 0,5 a 1,0mg/kg de glicose, o que corresponde a 2 a 4mL/kg de glicose a 25%. Não é aconselhável administrar-se glicose indiscriminadamente pois hiperglicemia transitória pode resultar em aumento da osmolaridade e dano neurológico. Lidocaína - é administrada a dose de 1mg/kg que pode ser seguida, se necessário, de infusão contínua de 20 a 50mcg/kg/min.
Terapia elétrica - As pás de adultos (8 a 9cm de diâmetro) são adequadas para crianças acima de 10kg, abaixo deste peso devem ser usadas pás menores. As pás devem ser colocadas firmemente sobre o tórax, uma do lado superior direito e outra à esquerda do mamilo.
A quantidade de energia a ser utilizada em crianças não está bem estabelecida, preconiza-se dose inicial de 2J/kg, se não houver reversão da FV usa-se 4J/kg e, se necessário, esta dose é repetida. Estas 3 desfibrilações devem ser realizadas em rápida seqüência. Nos casos de insucesso corrigir possíveis distúrbios: hipoxemia, acidose, hipoglicemia e hipotermia. Após administrar lidocaína, repetir 4J/kg.
Cardioversão - A dose inicial é 0,5 J/kg, doses maiores podem ser utilizadas, se necessário. Aqui também é imprescindível corrigir hipoxemia, acidose, hipoglicemia e hipotermia.
Marcapasso - É pequena a experiência com uso de marcapasso transdérmico ou externo por punção. Não é habitual ou necessário o seu uso. Nos casos habituais de PCR em crianças, o seu uso nas bradiarritmias é considerado classe - IIb.

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